Sobre a Obra
Antes, durante e DEPOIS:
A cena que me assalta é a seguinte: a caminho do trabalho, ao cruzar uma ponte sob a chuva, um professor impede uma jovem de se jogar. Depois disso – e do livro que ele acha com a menina – nada será como antes[1].
Tenho a sensação de ter encontrado a Fernanda – seguramente não à beira de um abismo – mas em uma dobra importante do seu caminho. Conheci primeiro seu trabalho em encáustica: largos horizontes, delicados, precisos, sutis. Dois dias depois, ela mesma: gesticulando, cabelos amarrados com uma larga faixa, inquieta. Se a urgência e a agitação da artista não estavam na contemplação e no tempo expandido da obra que eu havia visto, estavam no que ela iria me falar.
Nesse encontro, as Migrações, com suas respectivas coordenadas geográficas – assim ela nomeia esses trabalhos, indicando o ponto de vista preciso de cada horizonte – ao contrário do que eu pensava, não eram a pauta. Fernanda queria falar de um projeto urgente, ainda próximo à paisagem, ainda tóxico ou árduo em função dos seus suportes, porém um projeto que lhe pedia para mudar violentamente de posição em relação a sua própria produção. Ela estava diante de um risco e não recuou.
Na exposição Depois: o que se vê são alguns desses trabalhos em encáustica, alinhados em um único e contínuo horizonte, como se pudessem expandir-se indefinidamente, e cinco cubos em aço cortem, em diferentes tamanhos e situações. Em todos esses cubos – um aberto em cruz sobre o chão da galeria, outro absolutamente soldado, dois em vias de se fecharem e outro retorcido após ter sido arremessado de um helicóptero! – Fernanda oxida aqueles mesmos horizontes que encontramos nos trabalhos em encáustica.
Encapsular a paisagem em um sólido geométrico – o seu horizonte – e depois arremessar este objeto de um helicóptero é uma atitude radical, um gesto que permite uma vasta gama de interpretações e abordagens. A minha primeira leitura – porque tudo é muito novo, a obra, a artista, o vôo – é de que tudo isso imprime. Ou seja, o aço cortem, tão importante na história recente da arte, a paisagem oxidada cuja referência não é mais o horizonte da natureza mas aquela da sua própria obra anterior, as negociações para carregar o objeto num vôo e depois arremessar esse peso do céu, tudo isso está impregnado no trabalho.
A expansão indefinida de horizontes na obra de Fernanda está acontecendo no momento presente. E isso envolve a contração literal da paisagem em segredos cúbicos, objetos que encontram o mundo cheios de verdade.
Gabriela Motta
(Pelotas/RS, 1975)
É pesquisadora em artes visuais e curadoria. Doutora em artes visuais pela USP/SP. Já realizou projetos de curadoria e pesquisa em instituições como Itaú Cultural,MAC Niterói, MAC USP, Fundação Iberê Camargo, entre outras.
[1] Trem Noturno para Lisboa. Direção: Bille August, 2013
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