Sobre a Obra
LITOLOGIAS
Dando continuidade à investigação que tenho feito sobre paisagens externas
e internas; este conjunto de trabalhos se chama Litologias. A litologia é, no
âmbito da geologia, a ciência que estuda as rochas, grandes massas de pedra.
Para a medicina é a especialidade referente à formação de cálculos no
organismo.
Neste mundo cada vez mais intricado e de difícil compreensão, me interessa
adotar atitudes mais simples; o processo primitivo de construir (imagens) com
pedras me pareceu simbolicamente adequado. Litologias é, portanto, fruto da
experiência sistemática de estar entre pedras, e da observação da natureza
das pedras, da natureza dos seres e de um espelhamento ser-pedra. O
trabalho abarca o aspecto da paisagem exterior, da percepção do mundo a
partir da captura de sucessivas imagens de pedras, e simultaneamente de uma
construção interna, como um cálculo produzido pelo meu corpo, em que
essas imagens são expelidas e criam uma nova paisagem.
A partir da reflexão sobre o encontro da aparência de algo com sua existência,
percebo que a aparência somente pode existir se há alguém para sustentá-la,
e o sustentar da aparência é nada menos que a própria experiência da
existência. Portanto, posso dizer que as pedras existem a partir da minha
experiência com elas. Nessa interação, sua aspereza ou sua solidez passam a
fazer parte de de mim; passo a ser pedra, rugosa e pesada, e me manifestar
em novas formas e paisagens. Mas ora, bem o sabemos que as pedras do
mundo existem sem mim; logo deixo de ser - pedra e gente - a medida em
que entendo outro aspecto da natureza das pedras com Valter Hugo Mãe:
“As pedras são entidades absolutamente autónomas às expressões. As
pedras recusam a linguagem. Para a linguagem as pedras reclamam o direito
de não existir. Se as nomeamos não estamos senão a enganarmo-nos
voluntariamente. Às pedras nunca enganaremos. Elas sabem que existem
por outros motivos e talvez suspeitem que o nosso desejo de falar seja só um
modo menos desenvolvido de encarar a evidência de existir.”1
Litologias aspira transitar além da linguagem, num silêncio que não tem muito
a ser explicado ou entendido. Uma greve de palavras ou conceitos em um
mundo tão cheio deles. Propõe apenas o encontro com a aparência, que
pode, ou não, gerar uma experiência próxima à das pedras na evidência do
existir.
1 MÃE, Valter Hugo. A desumanização. São Paulo: CosacNaify, 2014.
FERNANDA VALADARES