arquiteturas improváveis — coletiva
A Aura Galeria apresenta Arquiteturas Improváveis, exposição coletiva, com texto crítico de Gabriel Kogan.
arte e arquitetura, irmãs separadas no berço
Antes sequer da existência do conceito daquilo que entendemos hoje como arte e arquitetura, o lugar das atividades do escultor, do pintor e do arquiteto no Século 14 se aproximava da posição ocupada pelos artesãos. Pintores figuravam como coadjuvantes – sem quaisquer direitos – dentro das corporações de ofício de médicos e boticários. Já as guildas dos pedreiros e carpinteiros contemplavam os trabalhadores especializados em entalhes, esculturas e edifícios.
Apenas ao longo dos Quatrocentos, com o desenvolvimento da noção das Artes, tanto artistas quanto arquitetos passaram a ganhar proeminência social e começaram a ser considerados dotados de genialidades únicas, insubstituíveis.
No Renascimento Italiano, artistas se descolaram das corporações para coordenarem seus próprios ateliers. Já arquitetos se diferenciaram dos mestres construtores, concebendo edifícios por meio de desenhos projetivos técnicos. Nesse processo, cada um em seu ofício, artistas e arquitetos personificavam uma concepção moderna de mundo, centrada no indivíduo e definiam uma nova visão espacial.
O arquiteto Filippo Brunelleschi se valeu de traquitanas tecnológicas com espelhos e reflexos para criar uma pintura do Batistério de Florença feita a partir de uma projeção da imagem do edifício em uma tela. Dominando essa técnica de câmaras claras e escuras usadas pelo arquiteto florentino (e que serviria de base, séculos mais tarde, para a fotografia), os artistas do Renascimento Italiano produziram uma mudança radical também na arte: projetavam imagens em suas telas e as utilizavam para criar desenhos de base nas pinturas, que ambicionavam emular a visão.
Artistas passaram a ser arquitetos e arquitetos, artistas. Compartilhavam suas origens nos trabalhos manuais artesanais, suas pesquisas tecnológicas, suas descobertas espaciais. Essa aproximação entre as duas artes - justamente pautadas pela aproximação com o desenho, o designo, o desejo, do trabalho mental de projeção e imaginação - acabaria também por formular logo depois sua cisão.
Nos séculos seguintes, como irmãs separadas ainda no berço, arte e arquitetura buscariam autonomia de seus ofícios, cada uma com vocabulários específicos a partir do desenvolvimento de suas linguagens. A noção de indivíduo criador, gênio, corroborou para tal autonomia, à medida que as práticas se distanciavam das atividades coletivas.
O modernismo empreendeu um esforço em vão de reunificação dessas artes divorciadas. O holandês Piet Mondrian chegou a sonhar que “arquitetura, escultura, pintura e artes decorativas se fundirão numa arquitetura-do-nosso-ambiente”. Por trás dessa frase estava a ideia de arte integral, a noção de que o criador, agora novamente um artista-arquiteto, seria capaz de fazer uma reorganização geral das estruturas que nos envolvem para conceber novas formas modernas de vida.
Tais ideias acabariam se tornando proposições excepcionais, taxadas de utópicas, de irrealizáveis. Na arquitetura, por exemplo, vinga uma relação – inclusive presente no discurso de Le Corbusier – de subjugação da arte em função de um triunfo da engenharia. A arte ficaria restrita a um elemento decorativo dentro do edifício; uma parede, um painel, um móbile.
Na atual reavaliação crítica sobre a modernidade (dessa modernidade iniciada há mais de seiscentos anos), como poderíamos reconciliar hoje a relação arte-arquitetura? Deveríamos utilizar a retomada de formas comunitárias e coletivas de produção para reestabelecer esses vínculos? Seriam as atividades manuais – que as uniram no nascimento – a chave para essa tarefa? Como a arquitetura pode adentrar profundamente no campo das artes e as artes no da arquitetura? Ou deveríamos assumir que esses campos jamais poderiam se reunificar?
gabriel kogan
junho, 2023.
A exposição conta com obras de Bruno Weilemann Belo, Cecília Costa, Dhiani Pa’saro, Érica Magalhães, Fernanda Valadares, Lilian Maus, Marcela Crosman, Marga Ledora, Renan Teles, Rommulo Vieira Conceição, Talles Lopes
visitação [on view]
15 jun — 27 jul [jun 15 — jul 27]
aura galeria
rua da consolação 2767, jardins
são Paulo - sP
estacionamento conveniado l’officina, rua da consolação 2825
info
+55 11 3034-3825